Em um mundo que valoriza excessivamente os resultados e que estimula a competitividade desde cedo, crianças correm o risco de se tornarem perfeccionistas, graças às exigências permanentes dos pais.
A demanda pela excelência pode se manifestar por meio de críticas excessivas ao desempenho na escola, nos esportes e trabalhos artísticos ou ainda em comparações com outras crianças, segundo a psicoterapeuta Sâmara Jorge, especialista em orientação de pais. “Sabemos que as crianças espelham-se nos pais. Por isso, filhos de pessoas muito exigentes com elas próprias podem se tornar tão exigentes quanto elas.”
Mas, ao contrário do que se possa pensar, o perfeccionismo não é uma qualidade e pode gerar consequências danosas ao longo da vida, comprometendo, inclusive, os relacionamentos futuros.
Para Sâmara, o que está na base desse comportamento é a insegurança e a baixa autoestima. “O perfeccionismo não é saudável, pois não é real. Trata-se de uma idealização. Não somos perfeitos e jamais seremos. Podemos ser excelentes em algumas coisas e em outras não. E isso não tira o nosso valor.”
A psicóloga afirma que, por mais que alcancem excelentes resultados, crianças e adolescentes perfeccionistas nunca estão satisfeitos e carregam culpa por não atingirem o ideal de perfeição que exigem, reproduzindo assim o padrão de expectativas existente na relação com os pais.
Outro problema causado pelo perfeccionismo é a procrastinação, o ato de adiar constantemente as tarefas. “Por medo de errar, crianças perfeccionistas demoram além da conta para desempenhar uma função, de tão minuciosas que são. Arriscam pouco, pois precisam ter tudo sob controle e garantias de perfeição, o que pode atrapalhar a realização de seus sonhos e desejos”, fala Sâmara.
Críticas construtivas, elogios na medida certa
De acordo com Sâmara, as críticas construtivas e bem fundamentadas são bem-vindas e fazem parte da educação da criança. “Criticar quando necessário, sim, mas com afeto e acolhimento, ressaltando as qualidades e o esforço. O saudável é ensinar a criança a fazer seu melhor, aperfeiçoando seus talentos.”
Para a psicoterapeuta, os pais precisam olhar para o filho como ele realmente é, para seus potenciais e limites, levando em conta a fase de desenvolvimento em que está e suas características individuais. “Críticas constantes podem levar a criança a acreditar que é incapaz e que o que faz nunca é bom o suficiente.”
Na opinião da psicopedagoga Quezia Bombonatto, diretora da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia), pais altamente exigentes submetem seus filhos a um nível exagerado de estresse. “O estresse emocional pode até mesmo causar danos à saúde da criança. Sem contar que o controle excessivo pode funcionar como um contra-controle, ou seja, na frente dos pais, a criança assume um papel, mas, longe, adota uma postura contrária”, afirma.
Para a psicopedagoga Rosângela Hasegawa, em alguns momentos, a crítica pode aparecer de forma velada, disfarçada de um elogio. “Há pais que podem até elogiar o que os filhos fazem, mas sempre deixando algum comentário final indicando um ponto negativo. Não fazem por mal, mas, como para eles o padrão é alto, naturalmente decepcionam-se e acham que o resultado do filho poderia ter sido melhor”, diz.
Segundo Quezia, a função dos pais é ajudar os filhos a terem condições de se organizarem para realizar suas tarefas e atividades de maneira autônoma. A crítica excessiva gera o efeito contrário.
A especialista explica que, se os pais percebem que a criança está fazendo algum trabalho correndo para ir brincar, devem perguntar se aquilo era o melhor que ela podia fazer. “Essa análise deve ser feita com a criança. Não é preciso rasgar o papel da tarefa na frente dela. Isso pode deixar marcas profundas. Valorizar o trabalho, e não desqualificar, faz com que ela goste do que está fazendo”, declara Rosângela.
Por outro lado, o elogio gratuito também não traz bons resultados. “Pais que elogiam sem critério são igualmente nocivos. Não ensinam seus filhos a lidarem com as frustrações. Além disso, passam a ideia de que não têm expectativas em relação a eles e isso é péssimo, pois eles também não terão expectativas em relação a si mesmos. Como tudo na vida, os extremos são sempre ruins”, fala Sâmara.