Apesar da mudança de hábito notada nos consultórios, os jovens ainda são minoria entre os vegetarianos. De acordo com o Target Group Index, do Ibope Media, a proporção de homens e mulheres que seguem a dieta sem carne é a mesma: cerca de 8%. A porcentagem, porém, é maior entre as pessoas de 65 a 75 anos. Nesse grupo, o percentual é de 10%. Já entre os jovens, de 20 a 24 anos, o índice é menor (7%), assim como o registrado entre homens e mulheres de 35 a 44 anos.
Os vegetarianos ainda têm que lidar com o preconceito. Quase todos reclamam das caras feias que recebem ao falar do hábito alimentar. Pensando nisso, o chef Flávio Giusti criou, no Youtube, o programa Vegetarirango, em que, com muito humor, ensina a fazer "comida vegetariana sem frescura", algo que muitos acham impossível. "É uma ideia que se tem por aí: de que vegetarianismo é frescura. Quero mostrar que não é bem assim."
O servidor público Pedro Arcanjo Matos, 27 anos, não come carne há quase 10 anos. Começou a praticar o vegetarianismo e, com o tempo, tornou-se vegano — não come nem usa nada que tenha origem animal. Ainda que gostasse muito de carne, acredita que foi a melhor escolha. Ele conta que até fez um ritual: "Foi uma questão ética e não de saúde. Por isso, fiz uma despedida oficial: comi camarão ao alho e óleo". A paixão, no entanto, passou, o que ele atribui a uma mudança no paladar. "Acho que fiquei mais sensível ao gosto das coisas e mais aberto a experimentar outras. Foi a mudança mais positiva na minha vida."
O vegetariano de Brasília passa pelo grande desafio, que devia ser simples, de encontrar onde comer. A dieta sem carne restringe muito as opções de estabelecimentos. Pedro, por exemplo, diz que mudou a rotina alimentar "na tora", à base de muito biscoito e outros carboidratos. A nutricionista Andreia Torres, porém, alerta: "A substituição das carnes por fontes vegetais com pouca proteína e muito carboidrato simples leva a um ganho de peso, principalmente na forma de gordura corporal". Ela costuma fornecer a seus pacientes uma apostila de cerca de 80 páginas com informações básicas e receitas do que é necessário para se tornar vegetariano.
Jovem e conectado, Pedro teve a ideia de um projeto: fazer um levantamento dos lugares vegetarianos e/ou veganos na cidade. Assim, criou um blog, o Distrito Vegetal, em 2009. Nele, além de fazer resenhas de restaurantes e sugerir lugares recém-abertos, dá receitas que recebe de leitores e outras dicas em geral. Ele vibra pela evolução de Brasília nesse quesito: "Quando comecei, não tinha quase nenhum lugar onde era possível comer. Atualmente, tem mais de 100. Isso é ótimo". O problema ainda são os preços, geralmente mais altos. Outro objetivo do Distrito Vegetal seria aproximar ainda mais os vegetarianos e os veganos. "As refeições são agregadoras, não dá para negar. Com o veganismo principalmente, a gente fica um pouco isolado." Pedro se orgulha de ter influenciado positivamente uma tradicional lanchonete da cidade. "Sempre que saíamos da balada, meus amigos e eu íamos lá e só comíamos batata frita. Conversamos com o pessoal — acho que outras pessoas também — e hoje eles oferecem hambúrguer vegetariano".
A comida acabou ganhando um papel central na vida do servidor, pois cada refeição precisa ser muito bem pensada. Namorar alguém que não fosse vegetariana até se tornou um problema. "Os relacionamentos que tive com não vegetarianas acabaram mudando a dieta delas. Acho que fiz algo bom pelas meninas. Seria muito difícil ter algo com alguém que come carne", confessa. Pedro reconhece tanto o preconceito contra vegetarianos e veganos quanto a chatice de alguns deles: "Muito querem fazer pregação aos outros, e isso não é legal". Na visão dele, não há como ser tão purista na sociedade em que vivemos, uma vez que temos necessidades.
Quando a dieta vira negócio
A reclamação de todo vegano é a falta de lugares para comer. Com alguma experiência em um restaurante vegetariano de Brasília, a chef Marina Corbucci, 29 anos, começou a preparar marmitas veganas em casa para vender sob encomenda. O negócio foi crescendo, até que ela decidiu abrir seu próprio café, onde um dos mais famosos quitutes é o pão-sem-queijo, uma versão vegana do pão de queijo. A ideia surgiu da simples experiência de vida dela: "Eu mesma, quando mais nova, tinha muita dificuldade para comer fora de casa, então quis atender essa demanda". A chef se orgulha de ter também clientes que não são nem vegetarianos. "Eu queria também poder mostrar a comida vegana para o público geral." Com um ambiente mais descontraído, a maior parte da clientela tem entre 25 e 35 anos. Marina deixou de comer carne aos 16 anos. Um período fora do país, aos 21, fez com que ela fosse obrigada a cozinhar mais. Foi aí que se apaixonou pela gastronomia. Depois de formada em psicologia, percebeu que aquela não era a sua vocação. O Café Corbucci foi o primeiro restaurante vegano da capital e é referência entre os moradores daqui.
Uma tradição familiar
Numa época em que não havia facilidade de internet, Patrícia tinha como fonte de informação os próprios pais, as palestras do avô Ulisses Riedel e os livros de teosofia. Rogério e Paulo precisaram pesquisar ainda mais, pois não era costume dos pais conversarem sobre o assunto. "Começamos a estudar muito porque, sempre que dizíamos que éramos vegetarianos, nos enchiam de perguntas e precisávamos saber responder", conta Rogério, que foi além e, no início deste ano, tornou-se vegano, abolindo do cotidiano qualquer produto de origem animal que submeta animais à exploração. Essa transição na alimentação foi complicada no início, tanto por conta do seu bem-estar quanto pela falta de restaurantes disponíveis. Mas, atualmente, ele se sente muito mais disposto e, assim como Pedro Matos com seu blog, Rogério criou um aplicativo para celular com opções de onde comer, o Guia Vegan Bsb.
A preocupação deles é com o sofrimento pelo qual a indústria faz os animais passarem. Eles não concordam com a forma como são tratados e lamentam a cultura da carne cultivada no Brasil. O preconceito ainda existe. Quando criança, Rogério passou por uma situação muito desagradável em uma visita a um colega de escola. Certa de que a opção por não comer carne não passava de um capricho, a mãe do colega e dona da casa escondeu pedaços de carne no meio da comida de Rogério. "Ela perguntou se estava gostoso e eu não seria mal-educado de dizer que não, então, ela começou a gargalhar e confessou que havia carne ali", lamenta.
Viajado, Paulo compara as condições do vegetariano aqui e em outros países: "Em qualquer outro país, é muito mais fácil. Até na África do Sul, um lugar economicamente inferior ao Brasil, tinha opções vegetarianas e veganas em todo restaurante que eu ia". O irmão, Rogério, critica: "O negócio é que aqui 3% do PIB nacional vem da indústria da carne".
Viajado, Paulo compara as condições do vegetariano aqui e em outros países: "Em qualquer outro país, é muito mais fácil. Até na África do Sul, um lugar economicamente inferior ao Brasil, tinha opções vegetarianas e veganas em todo restaurante que eu ia". O irmão, Rogério, critica: "O negócio é que aqui 3% do PIB nacional vem da indústria da carne".
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